Não tão doce Juliete

Não tão doce Juliete

sábado, junho 20, 2015

Aos Canhotos

Sempre fui um menino diferente, daqueles que as pessoas olham meio torto, de longe e pensam: ele é diferente, não sei o que ele tem, mas ele é!
Desde pequeno sempre brincava com meninos e com meninas, e embora tivesse um notável desempenho nas brincadeiras “de menino”, sempre sendo o melhor “ranger vermelho”, ou “preto”, ou aquele “ranger renegado”, sabe aquele que no início é do mau, mas depois se junta aos mocinhos? Pois é este era eu, e eu era bom nestas brincadeiras, de verdade! Mas eu também era bom com casinha, com bonecas, com bonecos, com comidinhas, com desenhos (na maioria abstratos), vivia rodeado de meninos e meninas e freqüentemente as mães dos meninos olhavam com aquele olhar de: ele é estranho !
Então, o garotinho chegou à adolescência, e como sabemos, a adolescência é aquele período em que você - adolescente -  se acha adulto para quase tudo, enquanto os adultos ainda sabem que você no fundo queria continuar a ser criança por um bom tempo. E começam as piadinhas:
- Olha só: Chegou o destro!
- Ih, lá vem o destro!
- Menino, porque você anda tanto com meninas? Fala das coisas de meninas? Com que mão você escreve?
E eu respondia:
- Esquerda, por quê?
E eles, com cara de assustados respondiam:
- Nossa, jurava que você fosse destro!
Eu não entendia o porquê sempre achavam que eu fosse uma coisa que eu não era apenas por pensar diferente, por ter preferências por assuntos tidos como de destros ao invés dos de canhotos.
Assim eu segui a adolescência, nunca mudei minhas preferências, nunca deixei  de escrever com a mão esquerda, mas ainda não entendo a razão de ser taxado de destro, e por muito tempo achei que isto era uma coisa ruim. Cheguei a perder um amigo, que também sofria por ser chamado de destro, e segundo os que nos chamavam, eu era menos destro do que ele ! Mas o que raios isso queria dizer?  
Então ele morreu, e muitos foram ao enterro dele, inclusive os que o chamaram de destro, e eu não entendia porque ser destro mudava a vida de alguém, para mim, ser destro ( que antes me incomodava um pouco) passou a ser normal ( o que de fato é),  e eu parei de tentar brigar com meu “jeito destro”, e foi aí que comecei a ser menos intolerante, mais amigo, mais feliz.
Cheguei aos meus 18 anos, havia me mudado de SP para o Rio aos 15 e já morava aqui há um tempo, e percebi que aqui havia muita gente que não gostava de destro, mas em contraponto havia muitos destros, ou pelo menos os destros daqui davam a cara para bater, achei legal por demais, e fiz alguns amigos destros, e destras também, e alguns poucos ambidestros.
Cheguei à UFRRJ, aos 18 anos, e a frase que mais ouço de pessoas que me conhecem na faculdade é: JURAVA QUE VC FOSSE DESTRO QUANDO TE VI PELA PRIMEIRA VEZ! E o mais engraçado de tudo é que dizem isto em um tom de alívio,como se estivessem pedindo desculpas por terem confundido um canhoto com um destro, pois não me enquadro em muitos dos chamados jeitos de canhoto. Quer saber de uma verdade?  Eu não mudaria nada no meu jeito de destro, para tentar parecer mais canhoto, não acredito que exista esta coisa de jeito isto ou jeito aquilo, as pessoas são o que são, e pronto!
Se você que está lendo isto (se é que alguém vai ler )  e não percebeu ainda que não se trata nem de longe de um texto sobre qual mão eu uso para escrever, vou te dar uma ajudinha: volte a ler o texto e substitua a palavra destro por gay e a palavra canhoto por adjetivos machistas como macho,homem, ou pelo termo heterossexual,  e você  vai entender do que estou falando !
Já fui ofendido no trem, já bati boca, porque os HOMENS, CABRA MACHOS, se acharam no direito de pensar que eu era homossexual por estar vestido de uma determinada forma ou jeito de arrumar o cabelo, e eu, claro que não desmenti, não revelei  que eu sou hétero, que tenho namorada, pois isto seria uma forma de me ausentar da confusão, e eu não quero me ausentar, não devo... Eu bati boca, porque  é direito de qualquer um ser o que quiser ser, parecer com o que quiser sem ser julgado, não existe jeito assim ou assado que dite o que você é.
Se eu, heterossexual, estudante universitário, sofro preconceito... Imagine quem desde pequeno é “destro” e sofre as mesmas coisas,  apenas por ser, nada além de SER... Se eu saio na rua com medo de apanhar ou sofrer violência por “parecer destro”, imagine quem de fato é “destra, destro, ambidestra, ambidestro”.

Se este texto fosse realmente sobre qual mão eu utilizo para escrever, vocês achariam um absurdo uma pessoa sofrer preconceito pela mão que ela escreve... E eu me pergunto por que  para algumas pessoas é normal sentir ódio por alguém que é dona da própria vida , do próprio corpo, mas não pode ser ela mesma sem sofrer julgamentos, preconceitos, discriminação e ódio ? Mais amor... Mais respeito... Menos julgamento alheio!
Don't be a Drag just be a Queen !