Sempre fui um menino diferente, daqueles que as
pessoas olham meio torto, de longe e pensam: ele é diferente, não sei o que ele
tem, mas ele é!
Desde pequeno sempre brincava com meninos e com meninas,
e embora tivesse um notável desempenho nas brincadeiras “de menino”, sempre
sendo o melhor “ranger vermelho”, ou “preto”, ou aquele “ranger renegado”, sabe
aquele que no início é do mau, mas depois se junta aos mocinhos? Pois é este
era eu, e eu era bom nestas brincadeiras, de verdade! Mas eu também era bom com
casinha, com bonecas, com bonecos, com comidinhas, com desenhos (na maioria
abstratos), vivia rodeado de meninos e meninas e freqüentemente as mães dos meninos
olhavam com aquele olhar de: ele é estranho !
Então, o garotinho chegou à adolescência, e como
sabemos, a adolescência é aquele período em que você - adolescente - se acha adulto
para quase tudo, enquanto os adultos ainda sabem que você no fundo queria
continuar a ser criança por um bom tempo. E começam as piadinhas:
- Olha só: Chegou o destro!
- Ih, lá vem o destro!
- Menino, porque você anda tanto com meninas? Fala das
coisas de meninas? Com que mão você escreve?
E eu respondia:
- Esquerda, por quê?
E eles, com cara de assustados respondiam:
- Nossa, jurava que você fosse destro!
Eu não entendia o porquê sempre achavam que eu fosse
uma coisa que eu não era apenas por pensar diferente, por ter preferências por assuntos
tidos como de destros ao invés dos de canhotos.
Assim eu segui a adolescência, nunca mudei minhas preferências,
nunca deixei de escrever com a mão esquerda,
mas ainda não entendo a razão de ser taxado de destro, e por muito tempo achei
que isto era uma coisa ruim. Cheguei a perder um amigo, que também sofria por
ser chamado de destro, e segundo os que nos chamavam, eu era menos destro do
que ele ! Mas o que raios isso queria dizer?
Então ele morreu, e muitos foram ao enterro dele,
inclusive os que o chamaram de destro, e eu não entendia porque ser destro
mudava a vida de alguém, para mim, ser destro ( que antes me incomodava um
pouco) passou a ser normal ( o que de fato é), e eu parei de tentar brigar com meu “jeito
destro”, e foi aí que comecei a ser menos intolerante, mais amigo, mais feliz.
Cheguei aos meus 18 anos, havia me mudado de SP para o Rio
aos 15 e já morava aqui há um tempo, e percebi que aqui havia muita gente que
não gostava de destro, mas em contraponto havia muitos destros, ou pelo menos
os destros daqui davam a cara para bater, achei legal por demais, e fiz alguns
amigos destros, e destras também, e alguns poucos ambidestros.
Cheguei à UFRRJ, aos 18 anos, e a frase que mais ouço
de pessoas que me conhecem na faculdade é: JURAVA QUE VC FOSSE DESTRO QUANDO TE
VI PELA PRIMEIRA VEZ! E o mais engraçado de tudo é que dizem isto em um tom de
alívio,como se estivessem pedindo desculpas por terem confundido um canhoto com um destro, pois não me enquadro em muitos dos chamados jeitos de canhoto. Quer
saber de uma verdade? Eu não mudaria
nada no meu jeito de destro, para tentar parecer mais canhoto, não acredito que
exista esta coisa de jeito isto ou jeito aquilo, as pessoas são o que são, e pronto!
Se você que está lendo isto (se é que alguém vai ler )
e não percebeu ainda que não se trata
nem de longe de um texto sobre qual mão eu uso para escrever, vou te dar uma
ajudinha: volte a ler o texto e substitua a palavra destro por gay e a palavra
canhoto por adjetivos machistas como macho,homem, ou pelo termo heterossexual, e você vai entender do que estou falando !
Já fui ofendido no trem, já bati boca, porque os HOMENS,
CABRA MACHOS, se acharam no direito de pensar que eu era homossexual por estar
vestido de uma determinada forma ou jeito de arrumar o cabelo, e eu, claro que
não desmenti, não revelei que eu sou
hétero, que tenho namorada, pois isto seria uma forma de me ausentar da
confusão, e eu não quero me ausentar, não devo... Eu bati boca, porque é direito de qualquer um ser o que quiser ser,
parecer com o que quiser sem ser julgado, não existe jeito assim ou assado que
dite o que você é.
Se eu, heterossexual, estudante
universitário, sofro preconceito... Imagine quem desde pequeno é “destro” e
sofre as mesmas coisas, apenas por ser,
nada além de SER... Se eu saio na rua com medo de apanhar ou sofrer violência
por “parecer destro”, imagine quem de fato é “destra, destro, ambidestra, ambidestro”.
Se este texto fosse realmente sobre qual mão eu
utilizo para escrever, vocês achariam um absurdo uma pessoa sofrer preconceito
pela mão que ela escreve... E eu me pergunto por que para algumas pessoas é normal sentir ódio por
alguém que é dona da própria vida , do próprio corpo, mas não pode ser ela
mesma sem sofrer julgamentos, preconceitos, discriminação e ódio ? Mais amor...
Mais respeito... Menos julgamento alheio!
Don't be a Drag just be a Queen !
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